quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A brief portrait

[ em: a normalização dos 14 euros ]
Como já disse por aqui, hoje em dia vou muito menos vezes comer fora. De cada vez que o faço não consigo evitar de pensar na “normalização dos 14 euros”.
Pelo menos em Lisboa e arredores, as pessoas passaram a achar normal um prato num restaurante custar 14 euros. Só pode! E nem falamos de uma bela posta de cherne, ou um bife abundante de vitela barrosã e pomos mesmo de parte qualquer marisco nesta fórmula. Falamos de pratos triviais: bacalhau à Brás (bacalhau de menor qualidade, batatas fritas e ovo mexido); carne de porco à portuguesa (pequenos pedaços de porco de menor qualidade com batatas fritas e pickes), ou à alentejana (juntando umas poucas ameijoas manhosas); a dourada e robalinho (peixe de viveiro com pouco sabor e alimentados à força de porcarias); o salmão (uma bosta de peixe com estatuto quase gourmet).
Aliás, quanto mais banal o prato, mais caro é em relação ao seu valor intrínseco. Além disso, estes pratos que dão erradamente a ideia de serem “baratos” foram os que maiores aumentos de preços sofreram nos últimos anos. Chega a ser chocante. Uma pequena amostragem que fiz comparando menus actuais com menus de há uns anos – tentando encontrar os sites desses restaurantes na http://web.archive.org/ , que dá uma trabalheira, pois são poucos os restaurantes com sites de jeito – dá uma ideia:
A Valenciana, Lisboa:
Comparação de junho/2021 para a actual (julho 2023) – dois anos
Vitela estufada: 10,00€ -> 13,00€ = +30% (+15% / ano)
Coelho à alentejana: 12,50€ -> 16,00€ = +28% (+14% / ano)
Carne de porco à portuguesa: 8,00€ -> 12,50€ = +56% (+28% / ano)
Carne de porco à alentejana: 12,50€ -> 15,00€ = +20% (+10% / ano)
Arroz de polvo: 15,00€ -> 19,00€ = +26% (+13% / ano)
Bacalhau à Brás: 12,50€ -> 17,50€ = +40% (+20% / ano)
Dourada grelhada: 12,50€ -> 16,50€ = +32% (+16% / ano)
D’Bacalhau Parque das Nações:
Comparação de junho/2019 para a actual (julho 2023) – quatro anos
Bacalhau com natas: 9,00€ -> 13,90€ = +55% (+14% / ano)
Bacalhau à Brás: 9,00€ -> 13,90€ = +55% (+14% / ano)
Bacalhau à lagareiro: 13,90€ -> 17,00€ = +22% (+5,5% / ano)
E ainda vi mais dois ou três restaurantes onde os aumentos de preços eram idênticos.
Se formos para restaurantes “da moda” e para restaurantes na zona turística, os preços são quase escandalosos e muitos desses restaurantes aderiu à coisa dos petiscos para partilhar, onde os preços que seriam de pratos individuais são aplicados a mini-pratos.
O que choca ainda mais é que esta contaminação de preços está a propagar-se para zonas de Lisboa que não são de todo turísticas e, se nos distrairmos, pagamos forte em casas que não hesitam em abusar de preços.
Ah… e isto sem ter em conta o vinho que, a não ser que optemos por “vinho da casa” onde o há e não nos importarmos de beber uma zurrapa qualquer, duplicamos o preço de uma refeição.
Salvam-se neste panorama alguns poucos restaurantes mais “tascosos” em que a opção de prato do dia ainda tem preços razoáveis, mas há que acompanhá-lo com a tal zurrapa da casa.
Eu pela minha parte faço o que “o mercado” devia fazer: reduzir muito ir comer fora, mas não consigo concorrer com gente deslumbrada e principalmente com turistas.